2024-03-07

Traduzida pela primeira vez, esta obra-prima perdida da literatura do Holocausto é uma das mais duras acusações ao nazismo jamais escritas.

«Acredito que algures na Europa Oriental, junto a uma floresta verdejante, ao longo de um talude ferroviário, ocorreu uma extraordinária metamorfose. Foi aí que as pessoas deste comboio infernal fortemente trancado foram transformadas em animais. Do mesmo modo que todas as outras – as centenas de milhares de pessoas que a loucura arrancara a quinze países e levara para fábricas de morte e câmaras de gás.»

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Quando teve conhecimento de que a Hungria iniciara negociações na Itália e na Turquia com os Aliados ocidentais para assinar uma paz separada, Hitler tomou a decisão de ocupar o país até então seu aliado. A 19 de março de 1944, o SS-Obersturmbannführer Adolf Eichmann e o seu Sondereinsatzkommando chegavam a Budapeste para organizar o terrível plano de deportação do último grande grupo de judeus sobreviventes da Europa. O primeiro transporte com destino a Auschwitz-Birkenau partiu a 29 de abril de Kistarcsa, perto de Budapeste, com 1800 homens e mulheres; o segundo saiu a 30 de abril do campo de trabalho de Topolya, na Jugoslávia ocupada pela Hungria, com cerca de duas mil pessoas.

Entre elas, encontrava-se o poeta, jornalista e autor deste livro, József Debreczeni.

 

No tenebroso «país» de Auschwitz-Birkenau, como o designa o autor, Debreczeni, que tinha cumprido três anos de trabalho forçado em Topolya e contava então com 39 anos, escapou por duas vezes à morte imediata: na «seleção» de que foi alvo à chegada ao campo, ao ser conduzido para a fila da direita – a dos que iriam trabalhar forçadamente até à morte – em vez de para a fila da esquerda – destinada a mulheres, crianças, idosos e doentes, diretamente conduzidos às câmaras de gás (hoje sabe-se que 2698 pessoas foram assassinados à chegada a Birkenau); e, mais tarde, ao «optar» por fazer a pé os dez quilómetros até ao campo de concentração de Auschwitz I, em vez de seguir de camioneta «sugerida» pelos elementos das SS (também com destino às câmaras de gás).

 

A «escolha» que fez condenava-o à morte lenta, de fome, frio e exaustão pelo trabalho; mas, tal como Primo Levi, József Debreczeni viria a adoecer gravemente e teria a «sorte» de se encontrar, quando as tropas soviéticas o libertaram em maio de 1945, no «Crematório Frio» – «hospital» onde os prisioneiros demasiado debilitados aguardavam a execução – do campo de trabalho de Dörnhau.

 

Publicada em húngaro em 1950, Crematório Frio – Memória do Território de Auschwitz foi considerada à época por um crítico como «uma das mais duras e impiedosas acusações ao nazismo jamais escritas». Nunca antes traduzida para a língua inglesa, é finalmente editada, volvidos mais de 70 anos, em 15 idiomas – entre os quais o português.

 

Neste «nosso frágil presente, em que cresce a ameaça de um novo fascismo», este é, nas palavras do vencedor do National Jewish Book Award Daniel Torday, um «documento necessário para nos recordar como é fácil o passado regressar ao presente» e um alerta para as gerações futuras.

 

Com prefácio de Irene Flunser Pimentel e chancela Temas e Debates, chega às livrarias de todo o país a 21 de março.